Caio Fernando Abreu

Por Luana Castro Alves Perez

Caio Fernando Abreu foi o “escritor da paixão”: assim o definiu a escritora Lygia Fagundes Telles. Caio deixou uma obra literária marcada por temas e linguagens transgressoras.

Escritor, jornalista e dramaturgo, Caio Fernando Abreu foi considerado um dos expoentes de sua geração*
Escritor, jornalista e dramaturgo, Caio Fernando Abreu foi considerado um dos expoentes de sua geração*

(...) Fico pensando se viver não será sinônimo de perguntar. A gente se debate, busca, segura o fato com as duas mãos sedentas e pensa: “Achei! Achei!” – mas ele escorrega, se espatifa em mil pedaços, como um vaso de barro coberto apenas por uma leve camada de louça. A gente fica só, outra vez, e tem que começar do nada, correndo loucamente em busca dos outros vasos que vê. [...] E começamos de novo, mais uma vez, dia após dia, ano após ano. Um dia a gente chega na frente do espelho e descobre: “Envelheci”. Então a busca termina. As perguntas calam no fundo da garganta, e vem a morte. Que talvez seja a grande resposta. A única. (...)”. 
(Caio Fernando Abreu – fragmento do romance Limite branco)

O fragmento que você acabou de ler é parte do livro Limite branco, primeiro romance do escritor, jornalista e dramaturgo Caio Fernando Abreu. Escrito em 1967 e publicado pela primeira vez em 1970, Limite branco é uma bela apresentação da obra de Caio, no qual já estavam presentes os elementos que caracterizariam sua produção literária, marcada pelo total domínio da expressão e por uma linguagem peculiar.

Caio Fernando Abreu nasceu em Santiago, interior do Rio Grande do Sul, no dia 12 de setembro de 1948. O primeiro texto, escrito quando o escritor contava apenas com seis anos de idade, mostra o talento nato para a Literatura, paixão que o acompanhou ao longo de seus 47 anos. Ainda jovem, transferiu-se para Porto Alegre e teve seu primeiro texto, um conto chamado “O príncipe sapo”, publicado pela revista Cláudia quando era apenas um adolescente de dezesseis anos.

A habilidade para dominar pensamentos e palavras fez com que Caio colaborasse como jornalista para várias publicações do país, entre elas as revistas Veja e a extinta Manchete.

Para sempre teu, Caio F., de Paula Dip. Reunião de cartas e depoimentos de pessoas próximas ao escritor, como os cantores Cazuza e Ney Matogrosso **
Para sempre teu, Caio F.,
de Paula Dip. Reunião de cartas e depoimentos de pessoas próximas ao escritor, como os cantores Cazuza e Ney Matogrosso **

Morou em várias cidades do país e do mundo, e as experiências adquiridas em suas inúmeras viagens ecoaram em sua obra. A linguagem muito próxima ao coloquialismo, o gosto pelo não literário e o hibridismo presente em sua escrita fizeram de Caio um escritor popular, distante das convenções da literatura acadêmica. Sobre os aspectos da obra de Caio, fala-nos Lara Souto Santana, dona do blog Letras Partilhadas, Mestre em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela Universidade de São Paulo e autora de dissertação sobre o escritor:

Falar sobre Caio Fernando Abreu é sinônimo de não encontrar fios soltos porque acerca de sua obra é possível dizer que se trata de uma teia com diversos fios que se cruzam e se entremeiam. Num primeiro momento, duas palavras podem nos ajudar a pensar sua vida e obra, afinal, elas se entrelaçam o tempo todo: a primeira seria intensidade e a segunda; hibridismo. Caio Fernando Abreu teve uma vida intensa: morou em diversas cidades no Brasil e na Europa, teve empregos convencionais e, ao mesmo tempo, excêntricos para um escritor, conheceu muita gente e, sobretudo, viveu para escrever. Escrever os mais diversos tipos de textos: contos, cartas, romances, poemas, peças teatrais, crônicas e crítica - teatral e literária. Seus textos são híbridos, porque ali encontram-se elementos da poesia na prosa, da prosa na poesia, do teatro no conto, das músicas que ouvia, dos filmes a que assistia, das experiências que vivia, para citar apenas alguns, porque a lista se estenderia por mais algumas linhas. A literatura do autor gaúcho traz ecos de diversas manifestações artísticas e os conflitos internos pelos quais todos passamos, motivo que a aproxima de tantos jovens ávidos por suas palavras.”

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O flerte com os diversos tipos de texto fez com que sua escrita se tornasse híbrida: nela podemos encontrar elementos da poesia, da prosa, do teatro, do conto, da crítica literária, dentre outros gêneros, entrelaçando-se, compondo um interessante mosaico de influências que culminou em um estilo único. Graças a esse hibridismo e à estética pouco convencional, caiu nas graças do grande público, tornando-se um escritor de grande apelo popular - inclusive nas redes sociais. Fragmentos de suas obras e citações de sua autoria (e até mesmo citações apócrifas, vide as inúmeras frases indevidamente atribuídas ao escritor) circulam pelo Facebook, Twitter e em diversas mídias digitais, despertando o interesse de leitores de todas as idades.

Leitor voraz de escritores como Hilda Hilst, Gabriel García Márquez, Julio Cortázar e Clarice Lispector, tem sua obra comumente comparada à singular estética de Clarice, voltada para técnicas narrativas pouco convencionais, que enfatizam o prisma intimista com que os eventos externos são percebidos. A comparação com a escritora, talvez a mais importante voz feminina de nossa literatura, era motivo de orgulho para Caio, que não escondia suas paixões e influências. Também era um apaixonado por astrologia e traçava de próprio punho seu mapa astral, tentando desvendar a vida através do zodíaco.

Nascido sob o signo de Virgem e ascendente em Libra, Caio partiu em um domingo, tal qual seu dia de nascimento: era dia 25 de fevereiro de 1996, cidade de Porto Alegre. Em 2014, ano em que se completaram dezoito anos de sua passagem, foi organizada a exposição “Caio Fernando Abreu: Doces Memórias”, realizada em Porto Alegre, no Centro Cultural Érico Veríssimo, nos dias 02 de julho a 13 de setembro, com curadoria de Márcia de Abreu Jacintho, irmã do escritor, pesquisa de Lara Souto Santana e fotografias de Luciane Pires Ferreira.

Itens do acervo de Caio Fernando Abreu, arquivados no Delfos, Espaço de Documentação e Memória Cultural da PUC do Rio Grande do Sul ***
Itens do acervo de Caio Fernando Abreu, arquivados no Delfos, Espaço de Documentação e Memória Cultural da PUC do Rio Grande do Sul ***

 

Para conhecer a obra de Caio Fernando Abreu:

Caio escreveu contos, novelas, crônicas, romances, teatro, poesia, crítica literária, correspondências e literatura infantil. Sua obra é múltipla ****
Caio escreveu contos, novelas, crônicas, romances, teatro, poesia, crítica literária, correspondências e literatura infantil. Sua obra é múltipla **** 

Inventário do irremediável

Limite Branco

O ovo apunhalado

Pedras de Calcutá

Morangos mofados

Triângulo das Águas

Os dragões não conhecem o paraíso

Mel & Girassóis

A maldição do Vale Negro

As frangas

Onde andará Dulce Veiga?

Ovelhas Negras

Estranhos estrangeiros

Pequenas epifanias

A vida gritando nos cantos

Teatro completo

Girassóis

Fragmentos: 8 histórias e um conto inédito

Cartas

Caio 3 D: O Essencial da Década de 70

Caio 3 D: O Essencial da Década de 80

Caio 3 D: O Essencial da Década de 90

Melhores contos

Além do ponto e outros contos

A comunidade do arco-íris

#Caio Fernando Abreu de A a Z


Caio Fernando Abreu na Internet:

Caio Fernando Abreu

Associação Amigos do Caio Fernando Abreu

Blog “Letras Partilhadas”
 

*Imagem cedida por Márcia de Abreu Jacintho, irmã do escritor.

** Capa do livro “Para sempre teu, Caio F.”, da jornalista e amiga pessoal do escritor, Paula Dip.

*** Imagens da exposição “Caio Fernando Abreu: Doces Memórias”, gentilmente cedidas por Márcia de Abreu Jacintho.

**** Imagem feita a partir de capas de livros do escritor.

***** O artigo contou com a colaboração de Márcia de Abreu Jacintho e Lara Souto Santana, dona do blog Letras Partilhadas, Mestre em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela Universidade de São Paulo e autora de dissertação sobre o escritor.

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