Cinco poemas de Manuel Bandeira

Por Luana Castro Alves Perez

Em seus 82 anos de vida, Manuel Bandeira pôde testemunhar a poesia na literatura brasileira do século XX, sendo um de seus principais representantes.

Manuel Bandeira nasceu em Recife, no dia 19 de abril de 1886. Faleceu no Rio de Janeiro, aos 82 anos, no dia 13 de outubro de 1968
Manuel Bandeira nasceu em Recife, no dia 19 de abril de 1886. Faleceu no Rio de Janeiro, aos 82 anos, no dia 13 de outubro de 1968

Certa vez, Manuel Bandeira, em uma atitude de extrema modéstia, chamou-se de “poeta menor”, cometendo contra si mesmo uma grande injustiça. Bandeira, um dos pilares da fase heroica do modernismo no Brasil, certamente é um dos maiores representantes da poesia em verso livre na literatura brasileira. Em seus poemas predomina uma temática que contempla o prosaico, o corriqueiro, permeados por doses exatas de lirismo que fizeram de Bandeira um dos mais aclamados escritores de nossas letras.

Grande apaixonado por música e arquitetura, a poesia surgiu na vida de Manuel Bandeira por acaso: a saúde frágil do adolescente que sofria de tuberculose afastou-o da vida agitada e cheia de aventuras tão comum aos jovens e levou-o à introspecção, descobrindo então o prazer de fazer versos sem ter sido antes um leitor voraz. A sensação iminente de morte fez com que sua obra fosse marcada por temas como a solidão, a angústia existencial, as reminiscências da infância e o isolamento advindo da doença. Embora frágil, viveu 82 anos, e sua extensa obra dá um testemunho da poesia brasileira no século XX.

Para que você conheça um pouco mais sobre a obra do poeta que um dia ousou criar seu próprio paraíso – é dele o poema Vou-me embora pra Pasárgada -, o sítio de Português selecionou cinco poemas de Manuel Bandeira para você conhecer toda a beleza dos versos do poeta que tão bem combinou lirismo e cotidiano. Boa leitura!

​Ao lado de Mário e Oswald de Andrade, Manuel Bandeira compôs a tríade modernista, representando a fase heroica do modernismo brasileiro
Ao lado de Mário e Oswald de Andrade, Manuel Bandeira compôs a tríade modernista, representando a fase heroica do modernismo brasileiro

 

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

        Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconsequente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive
 
E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

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Vou-me embora pra Pasárgada
 
Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcaloide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar
 
E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

Arte de amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

 

O anel de vidro

Aquele pequenino anel que tu me deste,
Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…
Assim também o eterno amor que prometeste,
- Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, –
Aquele pequenino anel que tu me deste,
Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…

Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste…
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste…

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja 
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

O Último Poema

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação

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