Graciliano Ramos e sua engenhosidade prosaica

Por Vânia Maria do Nascimento Duarte

Graciliano Ramos – o mestre do regionalismo nordestino
Graciliano Ramos – o mestre do regionalismo nordestino

 Mesmo em se tratando de simples fragmentos, ao nos depararmos com estes, temos a noção da ampla habilidade artística conferida a este importante autor que tão bem representou a temática da condição vivida pelo ser e o meio em que o insere. Vejamos, pois:

Capítulo III

Aqui, pela primeira vez, aparece a figura do soldado amarelo, que mais tarde voltará simbolizando a autoridade do governo. Igualmente, pela primeira vez, insinua-se a ideia de que não é apenas a seca que faz de Fabiano e sua família pessoas animalizadas. Ele é preso sem qualquer motivo e torna a analisar sua situação de homem-bicho. Só que, desta vez, não tem mais coragem de sonhar com um futuro melhor. Ao fim do capítulo, temos Fabiano ciente de sua condição de homem vencido e, pior ainda, sem ilusões com relação à vida de seus filhos.

Fragmento extraído do romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

Ao nos depararmos com o termo - pessoas animalizadas, somos remetidos à terrível ideia de um fato social que tem sua origem um tanto quanto remota e, que de modo contundente, continuou se perpetuando por entre as esferas da sociedade.

Tal afirmativa serve-nos de subsídio para enfatizarmos a temática que norteou as produções literárias da chamada “prosa regionalista”, representada pela segunda geração do Modernismo. O contexto histórico, ao qual o Nordeste brasileiro pertencia, funcionou como pano de fundo para o desbravamento de uma corrente ideológica voltada para a denúncia e para o sentimento de total insatisfação mediante às condições sub-humanas em que vivia grande parte da população convivendo com o descaso das autoridades políticas.

Paralelamente a esta concepção, surge-nos mais um indício que comprova os posicionamentos firmados acima, eis que representado pelo seguinte trecho: Aqui, pela primeira vez, aparece a figura do soldado amarelo, que mais tarde voltará simbolizando a autoridade do governo. Por meio deste percebemos a situação retratada pela desigualdade social caracterizada pela relação opressor x oprimido, em que o poder, naquela época, se centrava nas mãos dos políticos poderosos, sobretudo dos grandes coronéis que se mostravam aptos a punir quem se mostrasse contrário às suas ideias.

A engenhosidade de Graciliano Ramos foi tamanha até mesmo pela construção dos próprios personagens da referida obra. Sob um instinto extremamente voltado para a crítica, nomeou-lhes criteriosamente – a esposa de Fabiano, chamada de Sinhá Vitória, mas que de vitoriosa nada representava. A cachorra, que atendia pelo nome de Baleia, visto que se trata de um mamífero robusto e de grande porte. No entanto, estava se definhando cada vez mais, principalmente por não ter o que comer. Fato que podemos conferir pelos trechos: Caíra-lhe o pelo, estava pele e ossos, o corpo enchera-se de chagas. Fabiano resolve matá-la para aliviar os sofrimentos dela. Os filhos percebem a situação, magoados e feridos por perderem um “irmão”: "Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam...".

A presente análise permite-nos compreender um pouco mais sobre o perfil do escritor em evidência, bem como as correntes ideológicas que nortearam suas criações. De modo relevante, passamos a interagir sobre como se desenvolveu sua trajetória.

Graciliano Ramos nasceu em Quebrângulo, Alagoas, em 1892. Realizou seu curso secundário em Maceió e, sem ter cursado nenhuma faculdade, dedicou-se à atividade jornalística. Em 1933 se mudou para Maceió com objetivo de ocupar o cargo de diretor da Instrução Pública de Alagoas, foi quando conheceu Rachel de Queiroz, Jorge Amado e José Lins do Rego.

Em 1936, às vésperas da decretação do estado Novo, foi preso acusado de ser comunista. Permanecendo quase um ano na cadeia passou por inúmeras humilhações, sendo posto em liberdade posteriormente. Fixou-se no Rio de Janeiro e não retornou mais ao Nordeste. Em 1953 foi vitimado por um câncer, vindo a falecer em consequência deste.

Representando suas obras, destacam-se: Caetés (1933), como marco introdutório; São Bernardo (1934); Angústia (1936) e Vidas Secas (1938); contos reunidos em Insônia (1947); as memórias Infância (1945) e Memórias do Cárcere (1953) e, por último, Viagem (1954).

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